domingo, 22 de junho de 2008

Bossa de amores...



Ela decidiu um dia comprar um amor. Foi até a bolsa de amores, e investiu em ações. Ações de um moreno daqueles com papo bom. Daqueles que tocam violão enquanto decifram olhares. Daqueles morenos que ela construiu em meio aos seus livros e músicas. Um moreno que não ligasse ao ser notado com as mãos no queixo e os olhares distantes, enquanto sentado no café, numa tarde de quarta-feira. E seria assim porque estava amando, e o mundo precisava saber disso. Comprou as ações. Sentiu-se estúpida. Resolveu caminhar.

Anoiteceu. Era um daqueles bares. Auge da bossa nova. Antes, raridade era quem tivesse ouvido João Gilberto em Chega de Saudade e não tivesse voado com aquele jeito de cantar os acordes e falar a música. E o que era aquilo que ele tocava bonito assim? Ela ouvira pela primeira vez agora, naquela rodinha de violão. Era um moreno cantando.

Ele, pernambucano. Por essa época deixou a faculdade de Medicina de lado. Correu pra música. E acabou decidindo fazer faculdade de Arquitetura. Ela olhando de longe, nem imaginava que ele arquitetava música também. E quem se importava? Onde ela estava com a cabeça ao comprar ações na bolsa de amores?

Depois de muito se encontrarem em olhares de longe nessas noites boêmias, e de um estranho frio em meio ao calor do Rio, ele a viu chegar. Acompanhou-a de longe. Ela sentia o peso do olhar dele em si, e se fazia bonita. Nessa noite, só tocava Tom Jobim. As primeiras frases que ela o escutou musicar, foram exatamente os últimos versos de Tom em Das Rosas: Meus olhos cansados de tudo não cansam de te procurar. Meus olhos procuram teus olhos no espelho das águas do mar.

Bonitos os versos, ela pensou. Não era romântica, mas andava derramando um tal de um amor por todos os cantos. Sentou sozinha do lado de fora do bar, naquelas mesas que ficam na calçada. Não a incomodava esse desenho de solidão. Do outro lado da rua, o mar. Ah! Cidade Maravilhosa... Ela queria que seu único amor fosse assim, como você. Ao redor, por todas as mesas, muitos casais. Ela não ligava de ser a única sozinha. Acendeu um cigarro, bebia qualquer coisa que esquentasse suas batidas. Deixou de entregar seus olhos. Por um descuido, ele lhe sorriu, e a cumprimentou com um levantar de copo. Ela retribuiu o gesto. Alguns minutos depois, chuva. As águas de março.

Sem querer entrar e se embolar com aqueles outros corpos no ambiente abafado, Bruna foi caminhar pela orla. Ah, sim. Bruna era o nome dela. Ele, Luiz. Assim que percebeu a ausência da moça de cabelos castanhos e sorriso desconcertante, a música parou. Luiz deixou o violão, foi procurá-la. Se olharam a três passos de distância. Ele a tomou pela mão. E muito embora nenhum dos dois ainda soubesse, alguma semente se plantou ali. E já estava sendo regada. Caminharam lado a lado, em silêncio. De repente, um sussurar de palavras bonitas. Era Tom, dessa vez em versos de Fotografia: Eu, você, nós dois. Sozinhos neste bar à meia-luz. E uma grande lua saiu do mar...

A chuva foi cessando seus contos. Luiz e Bruna sentaram num banco. Ambos estavam radiantes. Bruna, contida. Ela não recebera nenhuma ligação da bolsa. Será que isso era efeito do investimento em ações? Resolveu tirar esse pensamento tolo na cabeça. Tiveram o primeiro diálogo. Ela era estudante de Teatro. Conversaram sobre política, Glauber Rocha, censura. Ele contou dos seus projetos. Ela encenava suas palavras.

- Sabe essa chuva que te fez caminhar pra cá? – dizia Luiz.
- O que tem?
- Foi tudo arquitetado por mim.
- Teus olhares me contaram desse poder. Distraída, cai na fantasia.
- Ah, eles têm mania de me entregar.
- Luiz, você investiria na bolsa?
- Linda, vou te presentear com essa lua. E sugiro falarmos sobre bossa.

Ela sorria.

- Tom ou Vinicius? – ele perguntou.
- Vinicius.
- Tom.
- Tá provado. Você é meu par. As melhores músicas foram feitas quandos os dois viraram um.
- Chega de Saudade. Eu acho que quase concordo com você.

Sorriram. Voltaram pro bar. Sentaram juntos. Alguém resolveu cantar Fotografia, e os trechos finais encerraram com a melhor chave, enquanto se ouvia o seguinte: Parece que este bar já vai fechar. E há sempre uma canção para contar aquela velha história de um desejo que todas as canções têm pra contar. E veio aquele beijo. Aquele beijo.Aquele beijo. Essa noite era Tom.

Ela voltou pra casa. Ele a acompanhou até a esquina. Falavam de Nara Leão. Mas ele já tinha uma nova musa para a sua bossa. Ela? Não sabia se isso era efeito da bolsa. E cá entre nós, quem se importava?

Ah, essa bolsa de amores! Tão lindos valores. Nunca queda de ações. Mercado sempre em alta. É, ninguém se arrisca a entender esse mercado de corações.

(Inspirado na Bolsa de Amores, de Chico Buarque/ por Jaya)

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