Até que ele apareceu na minha frente, o desconhecido tão decantado em linhas de poetas, histórias e lamentos em cada lugar do mundo, ao longo de tantos séculos... Surgiu trazendo borboletas ao meu redor, dentro de mim, e suas asas nas minhas costas. E eu abandonei o medo pesado que me puxava pra baixo, só pra ouvir sua voz de cântico celeste, suas frases vermelhas de tentação maluca.
Lembro como se fosse hoje: O Amor me olhou nos olhos - mistura de fogo com céu - e me puxou pela mão até as alturas infinitas.
O Amor me fez amiga das estrelas chamando-as pelo nome, colocando as luzes de todas elas no meu olhar. Me fez mãe de todas as flores exalando o perfume sagrado das fadas, e abraçar o sol espalhando seus raios por cada canto escuro de mim. Pôs a lua nas palmas das minhas mãos como um presente mágico e eterno, me convidou a recitar as mais incríveis profecias sagradas, me ensinou a tatuar poesia dentro do peito com versos encantados, e me fez desmaiar feliz num êxtase indizível de quem beija Deus.
O Amor rasgou num segundo minhas túnicas bordadas com cuidado, pintadas com carinho e inspiração, pra me despir de tudo e encarar o mundo assim - nua, exposta, indefesa. O Amor calou meus instintos introvertidos e me fez abrir-me inteira, corpo e alma, peito e boca. Me fez dar a cara a tapa, apostar todas as fichas, pagar pra ver. E eu paguei. Transparente diante de mil olhos, gritando segredos para mil ouvidos, caminhando sozinha entre mil lobos, eu fui.
O Amor era meu escudo, meu estandarte, meu patrimônio.
O Amor alterava sempre a previsão do tempo nas minhas praias ensolaradas, e de repente me fazia afogar em tempestades tristes e salgadas dentro de mim. O Amor me observava desfiar o meu rosário de lágrimas sob o travesseiro, e atravessar invernos gelados na Solidão dos meus porões internos mais empoeirados. Me trazia a visita esporádica e indesejada da Decepção, me convidava a conversas intermináveis com um Ciúme doente em especulações e investigações dolorosas e inúteis, onde no final eu era sempre autora do meu próprio crime.
O Amor transformava as madrugadas úmidas em masmorras negras, junto à Incerteza feia que marcava minha alma com seus flagelos. Me colocava frente a frente com o Orgulho, numa batalha cruel e sofrida contra mim mesma, e me prostrar chorando e abraçar os monstros que repudiei. O Amor me abandonava em abismos cheios de insetos adormecendo ao lado da Dor, e dançar um tango triste com a Angústia, que trazia seus discos velhos e arranhados pra me atormentar.
O Amor era minha renúncia, meu sacrifício, meu sacerdócio.
O Amor me fez nascer, morrer e ressuscitar em fração de segundos, tocar com os dedos as linhas extremas de cada emoção, flutuar e arder, gritar e cantar, abençoada e maldita, pecadora e santa, mortal e deusa. O amor me fez viver.
O Amor virou minha dádiva, meu idioma, meu santuário. Perpetuou todos os sorrisos, iluminou todas as estradas, desenhou cada emoção, justificou a minha vida.
Por isso eu não mais me revoltei contra seus inevitáveis espinhos - já havia aspirado a magia de suas pétalas, e mesmo que o sangue manchasse minha pele, já conhecia de perto a maciez de suas cores... Isso bastava.
Por isso quem maldiz o Amor jamais o conheceu. Quem nega sua existência nunca provou o gosto de um viver máximo, quem foge escondendo-se de sua presença jamais olhou sua face, quem pensa que o compreende e rotula sequer ouviu o som de seus passos...
Mas não adianta tentar te contar essas coisas, enquanto você não caminhar por onde caminhei, e viajar pelos destinos únicos que o Amor guardou naquele relicário dourado... Que tal sair também do teu castelo morto?
Pare de percorrer sozinho essa rua deserta e ridícula! Entregue-lhe sua mão, seu peito, seu ar, e depois volte aqui. Entre sem pedir licença, pouse à vontade, e me encare sinceramente pra dizer o quanto valeu a pena atrever-se a viver, pra me contar como foi bom ousar delirar, pra enfim concordar comigo: Amor é pra quem tem coragem (ainda bem que você teve).
Senta então ao meu lado, pra brindarmos nós três o gosto de um sábado qualquer com vinho tinto, e cantarmos leve no vento debaixo de uma lua muito mais sorridente...
(A menina Lunar)
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