segunda-feira, 7 de julho de 2008

Amor é pra quem tem coragem.

Eu caminhava pela rua morna e opaca da minha vida. Não ia muito além de poucos passos contados ao redor dali, não me dava sequer ao luxo de contemplar alguns sonhos. Me trancava no meu castelo de certezas blindadas com sua segurança triste, me isolava atrás das cortinas desconhecendo a loucura que se esconde onde mora o sol. E assim, dobrava esquinas iguais e assistia filmes repetidos, cruzava avenidas monótonas em busca de nada, olhava na poça meus olhos desertos donos de um vazio sem fim. E assim permitia que as horas escorressem enquanto andava em círculos sem nada conhecer, deixando a vida passar à minha volta sem sentir e sem saber.

Até que ele apareceu na minha frente, o desconhecido tão decantado em linhas de poetas, histórias e lamentos em cada lugar do mundo, ao longo de tantos séculos... Surgiu trazendo borboletas ao meu redor, dentro de mim, e suas asas nas minhas costas. E eu abandonei o medo pesado que me puxava pra baixo, só pra ouvir sua voz de cântico celeste, suas frases vermelhas de tentação maluca.

Lembro como se fosse hoje: O Amor me olhou nos olhos - mistura de fogo com céu - e me puxou pela mão até as alturas infinitas.

O Amor me fez amiga das estrelas chamando-as pelo nome, colocando as luzes de todas elas no meu olhar. Me fez mãe de todas as flores exalando o perfume sagrado das fadas, e abraçar o sol espalhando seus raios por cada canto escuro de mim. Pôs a lua nas palmas das minhas mãos como um presente mágico e eterno, me convidou a recitar as mais incríveis profecias sagradas, me ensinou a tatuar poesia dentro do peito com versos encantados, e me fez desmaiar feliz num êxtase indizível de quem beija Deus.

O Amor rasgou num segundo minhas túnicas bordadas com cuidado, pintadas com carinho e inspiração, pra me despir de tudo e encarar o mundo assim - nua, exposta, indefesa. O Amor calou meus instintos introvertidos e me fez abrir-me inteira, corpo e alma, peito e boca. Me fez dar a cara a tapa, apostar todas as fichas, pagar pra ver. E eu paguei. Transparente diante de mil olhos, gritando segredos para mil ouvidos, caminhando sozinha entre mil lobos, eu fui.

O Amor era meu escudo, meu estandarte, meu patrimônio.

O Amor alterava sempre a previsão do tempo nas minhas praias ensolaradas, e de repente me fazia afogar em tempestades tristes e salgadas dentro de mim. O Amor me observava desfiar o meu rosário de lágrimas sob o travesseiro, e atravessar invernos gelados na Solidão dos meus porões internos mais empoeirados. Me trazia a visita esporádica e indesejada da Decepção, me convidava a conversas intermináveis com um Ciúme doente em especulações e investigações dolorosas e inúteis, onde no final eu era sempre autora do meu próprio crime.

O Amor transformava as madrugadas úmidas em masmorras negras, junto à Incerteza feia que marcava minha alma com seus flagelos. Me colocava frente a frente com o Orgulho, numa batalha cruel e sofrida contra mim mesma, e me prostrar chorando e abraçar os monstros que repudiei. O Amor me abandonava em abismos cheios de insetos adormecendo ao lado da Dor, e dançar um tango triste com a Angústia, que trazia seus discos velhos e arranhados pra me atormentar.

O Amor era minha renúncia, meu sacrifício, meu sacerdócio.

O Amor me fez nascer, morrer e ressuscitar em fração de segundos, tocar com os dedos as linhas extremas de cada emoção, flutuar e arder, gritar e cantar, abençoada e maldita, pecadora e santa, mortal e deusa. O amor me fez viver.

O Amor virou minha dádiva, meu idioma, meu santuário. Perpetuou todos os sorrisos, iluminou todas as estradas, desenhou cada emoção, justificou a minha vida.

Por isso eu não mais me revoltei contra seus inevitáveis espinhos - já havia aspirado a magia de suas pétalas, e mesmo que o sangue manchasse minha pele, já conhecia de perto a maciez de suas cores... Isso bastava.

Por isso quem maldiz o Amor jamais o conheceu. Quem nega sua existência nunca provou o gosto de um viver máximo, quem foge escondendo-se de sua presença jamais olhou sua face, quem pensa que o compreende e rotula sequer ouviu o som de seus passos...

Mas não adianta tentar te contar essas coisas, enquanto você não caminhar por onde caminhei, e viajar pelos destinos únicos que o Amor guardou naquele relicário dourado... Que tal sair também do teu castelo morto?

Pare de percorrer sozinho essa rua deserta e ridícula! Entregue-lhe sua mão, seu peito, seu ar, e depois volte aqui. Entre sem pedir licença, pouse à vontade, e me encare sinceramente pra dizer o quanto valeu a pena atrever-se a viver, pra me contar como foi bom ousar delirar, pra enfim concordar comigo: Amor é pra quem tem coragem (ainda bem que você teve).

Senta então ao meu lado, pra brindarmos nós três o gosto de um sábado qualquer com vinho tinto, e cantarmos leve no vento debaixo de uma lua muito mais sorridente...

(A menina Lunar)

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